Os Três Sistemas Semióticos da Linguagem Cinematográfica
NO primeiro dos estudos estéticos será sobre as novas linguagens documentais ou ficcionais a partir da montagem e da fotografia, e não somente do roteiro. O da fusão dos três sistemas semióticos na projeção cinematográfica. O cinema, sua estética narrativa de contar uma história herdada do teatro, especialmente em razão do tempo de ocorrência do texto, também tem uma linguagem estética a partir do “sentir do personagem”, mesmo que este filme não mostre nenhum personagem visivelmente.
Isso é possível porque o cinema é formado por “três sistemas semióticos”, em que o sujeito é observado em sua sensibilização de maneiras diferentes: o sistema do roteiro, o da fotografia e o da montagem. Destes três sistemas semióticos que compõem a linguagem cinematográfica, o roteiro de ficção é o mais complexo. Ele exige, além de uma estruturação dramática da história e dos personagens, uma visão filosófica das relações humanas e da existência do indivíduo, em um nível mais profundo, uma camada abaixo, onde ocorrem as ações, e que é dominada pelas características passionais dos personagens.
Deste modo, a “fotografia” cinematográfica é gerada por um sistema de dependências internas que determina o enquadramento da imagem e o recorte da cena, revela a presença dos atuantes e os temporaliza a partir do movimento da imagem por meio da projeção.
A “montagem”, por sua vez, é um sistema que gera o ritmo, a velocidade, e recorta o tempo e o áudio no grau do discurso, oferecendo o sentido para o sistema fotográfico no nível mais profundo da narrativa.
A montagem é o que dá lógica e sentido ao encadeamento narrativo – especialmente, o temporal –, determinando a duração dos planos, tanto pelo aspecto da ação como pelo das necessidades das personagens. A montagem no cinema documental, se sobrepõe ao sistema do roteiro ao trocar a abordagem de conteúdo ficcional pelo real.
Já o sistema que envolve o roteiro, por outro lado, é textual narrativo, e totalmente regido pelas necessidades dos personagens. As ações e as emoções dos personagens fornecem sentido para os outros sistemas semióticos, que determinam a obrigação de uma estética de corte rápido em filmes como “Parasita” (2019) e com cortes extensos, longos, como em “Roma” (2018), em razão do “sensível” dos personagens e dos contextos da ação.
Um exemplo do cinema em que a montagem tem mais sentido, e ganha mais importância do que o roteiro ou a fotografia, é o documentário “No Intenso Agora”, de João Moreira Salles, construído praticamente apenas por imagens de arquivo, com um off do próprio diretor como narrativa condutora em todo o filme. O cineasta aproveitou as filmagens feitas por sua mãe em visita à China, em 1968, em plena Revolução Cultural, e dos movimentos de jovens em Paris, e faz uma reflexão em que o sentido está em mostrar as questões históricas do momento, mas também as relações de afeto entre mãe e filho, que estão contidos no discurso, mas em forma de imanência do sensível.
Um exemplo em que a força da fotografia, enquadramento, cor e direção de arte (figurinos e objetos ornamentais) se sobrepõem ao roteiro e à montagem é “Creamaster”, projeto cinematográfico de Matthey Barney, projetado em museus e galerias, mas considerado uma das linhas da arte cinematográfica. O cineasta Cao Guimarães sensibiliza seu filme “Otto”, um longa-metragem sobre sua “esposa grávida de Otto”, e não sobre Otto, com esse personagem que está presente e sensibilizando a narrativa e a estética do filme pela fotografia, enquadramentos, sequências e outras formas de estetizar um objeto sensível.